Como os cogumelos podem ajudar a salvar as florestas portuguesas
Um cogumelo silvestre, encontrado próximo da aldeia da Cerdeira, na Serra da Lousã.
Os fungos não têm uma reputação imaculada no mundo natural: muitas vezes, são vistos como uma ameaça e responsáveis por inúmeras doenças nas plantas.
Mas a maioria dos fungos que encontramos na floresta são muito benéficos para o meio onde se inserem.
Além disso, podem mudar de forma realista o futuro das áreas florestais portuguesas.
O que existe de tão errado com as florestas em Portugal?
Floresta com plantação intensiva de eucalipto
O principal problema que as florestas portuguesas enfrentam está relacionado com a plantação descontrolada de espécies invasoras, como o eucalipto e a acácia. Portugal é o país do mundo com mais percentagem de eucaliptos no seu território. Sim, somos os “campeões mundiais” do eucalipto. Mas porque é essa estatística tão assustadora?
Importa referir que nenhuma árvore, por si só, é prejudicial para a floresta onde se insere. O problema reside na forma como é cultivada e em que escala isso acontece.
Em Portugal, o cultivo de eucalipto e outras espécies “exóticas” tem sido feito de forma desordenada e com pouca regulação. São escolhas populares para o cultivo por serem árvores de crescimento rápido e, por isso, é possível colher a sua madeira mais rapidamente do que outras espécies autóctones, como o pinheiro ou o carvalho.
A plantação destas espécies sem precedentes tem consequências devastadoras para a nossa floresta. Causam “desertos” à sua volta pois impedem o crescimento das raízes de árvores nativas e reduzem drasticamente a biodiversidade. São verdadeira “gasolina” para incêndios florestais por crescerem num ambiente muito seco.
Mas trazem valor económico e isso - de alguma forma - justifica todo o mal que provocam.
Então, o que podemos fazer para mitigar o problema?
Tendo em conta que o nosso espaço florestal conta com uma das maiores percentagens de terrenos privados na Europa (cerca de 85%), não basta desincentivar ou proibir práticas pouco sustentáveis de cultivo.
Precisamos que este sector se mantenha atractivo e, para isso, é necessário apresentar alternativas duradouras, realistas e economicamente viáveis.
E é aqui que os fungos podem ser os agentes da mudança.
Um cogumelo Pleurotus na aldeia da Cerdeira, resultado da primeira inoculação de cogumelos feita no âmbito do projeto europeu “Life MycoRestore”.
Porque são os fungos tão especiais?
Os cogumelos que vemos à superfície são apenas "a ponta do icebergue". Debaixo dos nossos pés, estão ligados a uma rede incrivelmente complexa de fungos chamada micélio. A rede do micélio toca nas pontas das raízes das plantas e árvores e, a partir daí, trocam informações, transferem água e nutrientes fundamentais entre si. Por isso mesmo, há quem lhes chame a "internet da natureza"!
Os cogumelos têm um papel crucial no ecossistema das florestas: não só são responsáveis por decompor a matéria orgânica, como facilitam a circulação da água, combatem a erosão dos solos, reduzem a infiltração de substâncias tóxicas e até são capazes de decompor alguns poluentes.
Por serem capazes de regenerar e tornar mais resilientes as nossas florestas, podem ser uma peça essencial para combater os incêndios e a desflorestação com que vivemos hoje.
Um cogumelo Shiitake na aldeia da Cerdeira, resultado da primeira inoculação de cogumelos feita no âmbito do projeto europeu “Life MycoRestore”.
Como podemos utilizar os fungos nas florestas em Portugal?
Sabemos qual o seu valor para os ecossistemas, mas podemos cultivá-los? A resposta é sim! Uma das formas mais comuns de plantação é com troncos de árvores, através de um processo chamado “inoculação de cogumelos”. Os cogumelos não só são peças fundamentais em qualquer sistema florestal, como adicionam um elevado valor económico aos mesmos.
Ao contrário de outros países europeus e orientais, os cogumelos ainda não têm um consumo significativo em Portugal. Mas a sua procura tem aumentado consideravelmente todos os anos (cerca de 15% ao ano).
A tendência dos “super-foods” e a procura por alimentos de alto valor nutricional tem despertado interesse para os cogumelos. Têm propriedades nutricionais muito relevantes, nomeadamente no combate a doenças neuro-degenerativas e na manutenção do bom funcionamento do sistema imunitário, intestinal e cardiovascular.
Cultivar cogumelos numa perspectiva de trazer alto valor económico deve ir além dos cogumelos comuns de consumo fresco que vemos no supermercado. Existem várias espécies muito relevantes no que diz respeito à sua utilização em alta gastronomia e pelas suas propriedades medicinais como as trufas, os reishi e os shiitake. Estes podem ser colhidos e transformados, criando uma oferta de produtos diferenciadora e de valor acrescentado, sob a forma de suplementos alimentares, extractos ou desidratados.
O cultivo de cogumelos para utilizações inovadoras nas florestas portuguesas pode criar um fluxo de riqueza para as regiões rurais. Através da formação dos membros da comunidade local, pode levar à criação de emprego altamente qualificado, substituindo os tradicionais postos de trabalho na indústria da madeira e biomassa florestal.
Muitas vezes, o cultivo da trufa é feito com a ajuda do faro apurado de cães caçadores.
Temos confiança que, nos próximos anos, iremos testemunhar o investimento na produção de fungos e outras soluções inovadoras que motivem uma mudança urgente na ordenação do território florestal. As mentalidades já começam a mudar. Agora, só falta mudar o futuro da floresta em Portugal.
Desde 2019, a Cerdeira – Home for Creativity é parceira do projeto LIFE MycoRestore da União Europeia. Estamos a ajudar a proteger a Serra da Lousã através da aposta em recursos micológicos na região.
Sabe mais sobre o trabalho que estamos a desenvolver em:
mycorestore.eu/pt/